Portaria n.º 280/2016
de 26 de outubro
A Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, alterada pelas Leis n.os 19/2013, de 21 de fevereiro, 82-B/2014, de 31 de dezembro, e 129/2015, de 3 de setembro, veio consagrar um processo de análise retrospetiva dos homicídios relacionados com a violência doméstica que visa recolher, tratar e avaliar o máximo de informação sobre a letalidade ocorrida em contexto de violência doméstica já objeto de decisão judicial ou decisão de arquivamento, a fim de retirar conclusões que permitam a implementação de medidas eficazes de prevenção do fenómeno e de proteção das suas vítimas.
De acordo com o artigo 4.º-A da referida lei, os serviços da Administração Pública com intervenção na proteção das vítimas de violência doméstica organizam-se de molde à concretização daquela metodologia, numa Equipa de Análise Retrospetiva de Homicídio em Violência Doméstica que, enquanto estrutura colegial, multidisciplinar e intersectorial, é composta por um conjunto de representantes permanentes e não permanentes de entidades públicas e privadas que integram a rede nacional de apoio às vítimas de violência doméstica cuja organização e funcionamento se deseja ágil e eficaz.
Assim, desenhou-se uma matriz organizacional adaptada à natureza essencialmente técnica das atribuições daquela estrutura, que permite que se obtenha, em cada caso, um diagnóstico técnico-científico da utilização, rejeição ou alheamento das respostas sociais de prevenção da violência doméstica e de proteção das suas vítimas e, num segundo nível, se elaborem recomendações visando a melhoria dos procedimentos em vigor no sistema de justiça criminal e na rede nacional de apoio às vitimas de violência doméstica.
Por fim, resta sublinhar que um adequado estudo de caso requer que seja garantido o acesso à informação de forma retrospetiva e que haja uma partilha e colaboração transversal entre os organismos públicos e privados que nele tiveram intervenção, identificando claramente as lições que devem ser retiradas de cada caso, para que se possa, com base nessas lições, recomendar alterações eficazes nos procedimentos em vigor.
Foi ouvido o Conselho Superior do Ministério Público.
Foi ouvida a Comissão Nacional de Proteção de Dados.
Assim:
Ao abrigo do artigo 4.º-A da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, alterada pelas Leis n.os 19/2013, de 21 de fevereiro, 82-B/2014, de 31 de dezembro, e 129/2015, de 3 de setembro, manda o Governo, pelas Ministras da Administração Interna e da Justiça e pelos Ministros Adjunto, do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e da Saúde, o seguinte:
Artigo 1.º
Objeto
A presente portaria regula o procedimento de análise retrospetiva das situações de homicídio ocorrido em contexto de violência doméstica, previsto no artigo 4.º-A da Lei n.º 112/2009, de 19 de setembro, a cargo da Equipa de Análise Retrospetiva de Homicídio em Violência Doméstica, abreviadamente designada por Equipa.
Artigo 2.º
Conceitos
Para efeitos do presente diploma, entende-se por:
a) «Homicídio ocorrido em contexto de violência doméstica» - o caso de homicídio doloso, tentado ou consumado, direta ou indiretamente relacionado com o contexto sociológico e ou com as relações interpessoais referidas no artigo 152.º do Código Penal;
b) «Análise retrospetiva de homicídio» - a análise de um caso de homicídio em violência doméstica que reconstrua a perceção da vítima e do autor sobre os sistemas de prevenção, proteção, apoio e repressão da violência doméstica, o percurso de utilização, rejeição ou alheamento das respostas disponíveis, bem como das respostas concretamente dadas no caso pelos referidos sistemas.
Artigo 3.º
Missão e objetivos da Equipa
A Equipa tem como missão proceder à análise retrospetiva das situações de homicídio ocorrido em contexto de violência doméstica e que tenham sido já objeto de decisão judicial transitada em julgado ou de decisão de arquivamento ou não pronúncia, visando retirar conclusões que permitam a implementação de novas metodologias preventivas ao nível dos procedimentos e, sempre que se justificar, a produção de recomendações às entidades públicas ou privadas com intervenção neste domínio.
Artigo 4.º
Estrutura da Equipa
A Equipa é composta por um Coordenador e por uma Unidade de Análise e Estudos de Casos.
Artigo 5.º
Coordenação da Equipa
1 - A Equipa é coordenada por um magistrado do Ministério Público, nomeado por despacho dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da administração interna, justiça, da cidadania e da igualdade de género, da segurança social e da saúde, e sob proposta do Conselho Superior do Ministério Público.
2 - O Coordenador da Equipa é nomeado pelo período de três anos, em acumulação de funções, nos termos a definir pelo Conselho Superior do Ministério Público.
Artigo 6.º
Competências do coordenador da Equipa
Ao coordenador da Equipa compete:
a) Dirigir a atividade da Equipa com vista à prossecução das suas atribuições, definindo as linhas gerais dessa atividade e estabelecendo as respetivas prioridades;
b) Definir e fazer aplicar uma metodologia de análise retrospetiva utilizada pela Equipa a todos os casos analisados;
c) Selecionar as situações de homicídio em contexto de violência doméstica a analisar retrospetivamente;
d) Aprovar os relatórios de análise de casos;
e) Submeter as recomendações previstas no n.º 6 do artigo 4.º-A da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, às entidades públicas ou privadas com responsabilidade na prevenção, proteção, apoio e repressão da violência doméstica;
f) Publicitar e difundir as recomendações aprovadas, em estreita articulação com os serviços da Administração Pública responsáveis pela sua implementação, salvaguardando as situações de reserva da vida privada;
g) Contribuir para a concertação de todas as entidades públicas e privadas, estruturas e programas na área da prevenção, proteção, apoio e repressão da violência doméstica de modo a diminuir a frequência de homicídios ocorridos neste contexto;
h) Aprovar a proposta anual de plano e relatório de atividades submetidas pela Equipa;
i) Convocar as reuniões da Equipa;
j) Promover a audição, com caráter consultivo, de personalidades relevantes no âmbito de temáticas específicas da prevenção dos homicídios e da proteção das vítimas de violência doméstica;
k) Praticar os demais atos necessários à prossecução das atribuições da Equipa.
Artigo 7.º
Composição da Unidade de Análise e Estudos de Casos
1 - A Unidade de Análise e Estudos de Casos é constituída por membros permanentes e por membros não permanentes.
2 - São membros permanentes:
a) Um representante do Ministério Público, que coordena a Equipa nos termos definidos nos artigos 5.º e 6.º;
b) Um representante designado pelo Ministério da Justiça;
c) Um representante designado pelo Ministério da Saúde;
d) Um representante designado pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social;
e) Um representante da Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna (SGMAI);
f) Um representante do organismo da Administração Pública responsável pela área da cidadania e da igualdade de género.
3 - É membro não permanente um representante da força de segurança territorialmente competente na área em que tenha ocorrido o facto.
4 - São membros eventuais, quando se mostre necessário:
a) Um ou mais representantes de entidades públicas da área da saúde e da segurança social que tenham tido intervenção no caso;
b) Um ou mais representantes de organizações não-governamentais que tenham tido intervenção no caso.
Artigo 8.º
Competências da Unidade de Análise e Estudos de Casos
1 - À Unidade de Análise e Estudos de Casos compete:
a) Determinar a metodologia a adotar para análise retrospetiva de homicídios em violência doméstica;
b) Identificar os casos de homicídio que devem ser analisados;
c) Obter informação sobre o contexto em que ocorreu o homicídio, nos termos dos n.os 4 e 5 do artigo 4.º-A da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro;
d) Instruir e organizar por cada caso objeto de análise e estudo um dossiê individual;
e) Elaborar um relatório final por cada caso no qual se avalie o contexto em que o facto ocorreu, a intervenção das diversas entidades públicas e privadas, os fatores facilitadores da ocorrência e os procedimentos a melhorar.
2 - Os membros permanentes devem:
a) Preferencialmente, ser profissionais experientes com formação em violência doméstica e avaliação de risco;
b) Ter conhecimentos adequados para contextualizar o papel da sua instituição, apontando os pontos fortes e os desafios que melhor possam facilitar a mudança processual, bem como a experiência que permita avaliar a disponibilidade, consistência e eficácia dos serviços da instituição.
Artigo 9.º
Apoio ao funcionamento da Equipa
1 - O apoio logístico e administrativo à Equipa é assegurado pela Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna.
2 - O apoio técnico é assegurado por técnicos das entidades constantes das alíneas b) a f) do n.º 2 do artigo 7.º nos termos previstos no regulamento interno e no manual de procedimentos a aprovar nos termos do artigo 14.º
Artigo 10.º
Dever de cooperação e comunicação obrigatória de decisões judiciais
1 - Para além do disposto no n.º 5 do artigo 4.º-A da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, todas as entidades públicas e privadas com intervenção na prevenção e proteção e repressão do fenómeno da violência doméstica devem facultar toda a documentação e prestar as informações relevantes solicitadas, nomeadamente quanto aos procedimentos adotados na sequência das recomendações.
2 - As autoridades judiciárias competentes comunicam à Equipa os despachos de arquivamento e não pronúncia e as decisões finais transitados em julgado.
3 - A Equipa tem acesso ao conteúdo integral dos processos-crime transitados em julgado ou arquivados que sejam selecionados para análise e estudo, cumprindo-se o disposto no artigo 86.º, n.º 7, do Código de Processo Penal.
4 - Recebidos os autos, a Equipa procede, em quinze dias, à eliminação de quaisquer dados que permitam a identificação dos intervenientes, de acordo com os procedimentos a determinar no regulamento interno.
Artigo 11.º
Metodologia e cooperação técnico-científica
1 - A metodologia adotada para a análise retrospetiva de homicídio em contexto de violência doméstica deve ser concebida em conformidade com o conhecimento técnico-científico mais recente das ciências sociais que se dedicam ao estudo do fenómeno da violência doméstica e ser implementada segundo as melhores práticas internacionais adotadas por organizações ou estruturas similares à Equipa.
2 - O modelo de análise retrospetiva de homicídio em violência doméstica é avaliado periodicamente, de preferência por entidades académicas, nos termos a fixar pelo Regulamento Interno.
3 - A Equipa deve promover a auscultação regular, com caráter consultivo, de personalidades com reconhecido trabalho de investigação desenvolvido nesta área.
Artigo 12.º
Dever de sigilo e partilha de informação
1 - Todos os membros da Equipa ficam obrigados a manter confidencialidade, não revelando, por qualquer forma ou meio, informação de que tenham tido conhecimento no exercício das funções na Equipa.
2 - O acesso à informação de saúde respeitante à vítima de homicídio ou a terceiros processa-se de acordo com o disposto na Lei n.º 12/2005, de 26 de janeiro, e é feito através de médico designado pelo Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I. P.
3 - Os relatórios finais de análise de casos e as recomendações só podem ser revelados a terceiros depois de convenientemente anonimizados.
Artigo 13.º
Recolha de depoimentos
Os familiares, amigos ou terceiros que tenham privado com intervenientes no homicídio tentado ou consumado, ou a vítima sobrevivente, podem ser ouvidos nas sessões de trabalho da unidade de análise e estudo de casos, desde que exista necessidade e utilidade na sua audição, devidamente fundamentada, e depois de obtido o consentimento expresso dos mesmos.
Artigo 14.º
Regulamento interno e manual de procedimentos
A Equipa aprova o regulamento interno e o manual de análise retrospetiva de homicídios em violência doméstica.
Artigo 15.º
Plano de atividades e relatório anual
A Equipa elabora anualmente um plano e um relatório de atividades, aprovados pelo Coordenador, a apresentar aos membros do Governo responsáveis pelas áreas da administração interna, da justiça, da cidadania e da igualdade de género, da segurança social e da saúde, respetivamente até 15 de dezembro do ano anterior e 15 de março do ano seguinte ao que respeitem.
Artigo 16.º
Entrada em vigor
A presente portaria entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
A Ministra da Administração Interna, Maria Constança Dias Urbano de Sousa, em 16 de setembro de 2016. - A Ministra da Justiça, Francisca Eugénia da Silva Dias Van Dunem, em 16 de setembro de 2016. - O Ministro Adjunto, Eduardo Arménio do Nascimento Cabrita, em 20 de setembro de 2016. - O Ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, José António Fonseca Vieira da Silva, em 6 de outubro de 2016. - O Ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, em 26 de setembro de 2016.